quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Nisargadatta Maharaj

O que vem e vai não tem nenhum ser

Pergunta: Tenho vindo mais para estar com você do que para escutá-lo. As palavras podem dizer muito pouco, muito mais pode ser comunicado em silêncio.

Maharaj: Primeiro palavras, depois silêncio.Deve-se estar maduro para o silêncio.

P: Posso viver em silêncio?

M: O trabalho altruísta leva ao silêncio porque, quando você trabalha sem egoísmo, não necessita pedir ajuda. Sendo indiferente aos resultados se está disposto a trabalhar com os meios mais inadequados. Não há a preocupação de estar muito bem preparado e bem equipado. Nem tampouco pede reconhecimento ou assistência, simplesmente faz o que pode e o que é necessário fazer, deixando o êxito ou o fracasso ao desconhecido. Tudo é causado por inumeráveis fatores, dos quais o esforço pessoal é apenas um. Às vezes, pela magia da mente e do coração humanos, o mais improvável acontece quando a vontade e o amor humanos cooperam.

P: O que está errado em pedir ajuda quando o trabalho vale a pena?

M: Onde está a necessidade de pedir ajuda?Isto meramente mostra fraqueza e ansiedade.Trabalhe, e o universo trabalhará com você.Depois de tudo, a própria idéia de fazer ocorreto lhe chega do desconhecido. No que dizrespeito aos resultados, deixe-os ao desconhecido; passe simplesmente pelos movimentos necessários. Você é só um elo na longa cadeia de causação. Essencialmente, tudo acontece apenas na mente. Quando você trabalha por algo com todo seu coração e firmeza, este algo acontece, já quea função da mente é fazer que aconteçam as coisas. Na realidade, nada falta e nada é necessário, todo trabalho só existe na superfície. Nas profundezas, há uma perfeita paz.Todos os problemas surgiram porque você definiu a si mesmo e, portanto, limitou-se. Quando não pensa que você é isto ou aquilo, todo conflito cessa. Qualquer tentativa de fazer algo que solucione os seus problemas fracassará, pois o que é causado pelo desejo só pode ser desfeito pela liberação do desejo. Você se encerrou no tempo e no espaço, comprimiu-se ao lapso de duração de uma vida e ao volume de um corpo, e criou assim os inumeráveis conflitos da vida e da morte, do prazer e da dor, da esperança e do medo. Não pode libertar-se dos problemas sem abandonar as ilusões.

P: Uma pessoa é naturalmente limitada.

M: Não existe a pessoa. Existem apenas restrições e limitações. A soma total destas define a pessoa. Você crê que conhece a si mesmo quando sabe que você é . Mas você nunca sabe quem é. A pessoa meramente parece ser, como o espaço dentro do pote parece ter a forma, o volume e o odor do pote. Veja que você não é o que você acredita ser. Lute com todas as forças de que dispõe contra a idéia de que você pode ser nomeado ou descrito. Não é assim. Negue-se apensar em si mesmo em termos disto ou daquilo.Não existe outra saída da miséria, que você criou para si mesmo, através da cega aceitação sem investigação. O sofrimento é uma chamada ; toda dor necessita investigação. Não seja preguiçoso para pensar.

P: A atividade é a essência da realidade. Não há virtude em não trabalhar. Junto com o pensamento, alguma coisa deve ser feita

M: Trabalhar no mundo é duro, privar-se detodo trabalho desnecessário é ainda mais duro.

P: Para a pessoa que sou, tudo isto parece impossível.

M: O que você sabe sobre si mesmo? Você só pode ser o que é na realidade; você só pode parecer o que não é. Você nunca se afastou da perfeição. Toda a idéia de melhoramento é convencional e verbal. Assim como o sol não conhece a escuridão, o ser não conhece o não-ser. É a mente que, por conhecer o outro, torna-se o outro. Mesmo assim, a mente é nada mais que o ser. É o ser que se torna o outro, o não-ser, eainda assim permanece sendo o ser. Tudo o mais é suposição. Do mesmo modo que uma nuvem escurece o sol sem afetá-lo de qualquer modo, a suposiçao obscurece a realidade sem destruí-la. A própriaidéia de destruição da realidade é ridícula; o destruidor sempre é mais real que o destruído. A realidade é o destruidor final. Toda separação, toda espécie de afastamento e alienação, é falsa. Tudo é um – esta é a solução final para todo conflito.

P: Como é que, apesar de tanta instrução e assistência, não progredimos?

M: Enquanto imaginarmos que somos personalidades separadas, totalmente aparte das outras, não podemos compreender a realidade que é essencialmente impessoal. Primeiro devemos conhecer-nos como testemunhas apenas, centros de observação sem dimensão e atemporais, e então compreender este imenso oceano de Consciência queé, ao mesmo tempo, a mente e a matéria, e está além de ambas.

P: Seja o que for na realidade, eu me sinto uma pessoa pequena e separada, uma entre muitas.

M: A idéia de ser uma pessoa se deve à ilusão do tempo e do espaço; você se imagina em um certo ponto e ocupando um certo volume; suapersonalidade é resultado de sua identificação com o corpo. Seus pensamentos e sentimentos existem em sucessão, têm sua duração no tempo, com que você imagine a si mesmo, devido à memória, como tendo uma duração. Na realidade, otempo e o espaço existem em você, mas você não existe neles. São modos de percepção, mas não sao os unicos. O tempo e o espaço são como palavras escritas no papel; o papel é real; as palavras, uma mera convenção. Que idade você tem?

P: Quarenta e oito anos!

M: O que o faz dizer quarenta e oito anos? Oque o faz dizer: estou aqui? Hábitos verbais nascidos de suposições. A mente cria o tempo e o espaço e entende suas próprias criações como realidade. Tudo está aqui e agora, mas não . Verdadeiramente, tudo existe em mim e sobre mim. Não há nada mais. A própria idéia de"outro" é um desastre e uma calamidade.

P: Qual é a causa da personificação, da auto-limitação no tempo e no espaço?

M: Aquilo que não existe não pode ter uma causa. Não existe uma pessoa separada. Ainda do ponto de vista empírico, é óbvio que tudo é causade tudo, que tudo é como é porque o universo inteiro é como é.

P: Mas a personalidade deve ter uma causa.

M: Como chega a existir a personalidade? Pela recordação. Ao identificar o presente com opassado e projetando-o no futuro. Pense em si mesmo como algo momentâneo, sem passado oufuturo, e sua personalidade se dissolve.

P: O "eu sou" não permanece?

M: A palavra "permanece" não se aplica aqui."Eu sou" sempre é novo. Você não necessita recordá-lo para que seja. De fato, antes de que você possa experimentar qualquer coisa,deve existir o sentido de ser. Neste momento, seu ser está misturado com as experiências. Tudo o que você necessita é desatar o ser do nó das experiências. Uma vez que tenha conhecido o ser puro, sem ser isto ou aquilo, você o distinguirá entre as experiências e não será mais enganado pelos nomes e pelas formas. A auto-limitação é a própria essência da personalidade.

P: Como posso tornar-me universal?

M: Mas você já é universal. Você não necessita nem pode tornar-se o que já é. Só deixe de imaginar que você é o particular. O que vem e vai não tem ser. Ele deve sua própria aparição à realidade. Você sabe que existe um mundo, mas o mundo conhece você?Todo conhecimento flui de você, assim como todo ser e toda alegria. Compreenda que você é afonte eterna, e aceite tudo como próprio. Tal aceitação é verdadeiro amor.

P: Tudo o que diz soa muito bonito. Mas como alguém pode fazer disto um modo de vida?

M: Sem nunca ter abandonado a sua casa, está perguntando pelo caminho para casa. Livre-se das falsas idéias, isso é tudo. Juntar idéias corretas não o levará a nenhum lugar. Simplesmente deixe de imaginar.

P: Não é uma questão de realização mas de entendimento.

M: Não tente entender! É suficiente que não entenda mal. Não confie em sua mente para alcançar a liberação. É a mente a que o levou à escravidão. Vá além dela de uma vez. O que não tem princípio não pode ter uma causa. Não é que você soubesse o que era e então esqueceu. Uma vez que saiba, não pode esquecer. A ignorância não tem princípio, mas pode ter fim.Investigue quem é ignorante, e a ignorância se dissolverá como um sonho. O mundo está cheio decontradições, daí que você busca a harmonia e apaz. Mas estas não podem ser encontradas no mundo, pois o mundo é filho do caos. Paraencontrar ordem tem que buscar dentro de simesmo. O mundo aparece só quando você nasce em um corpo. Sem corpo não há mundo. Primeiro investigue se você é o corpo. A compreensão do mundo chegará depois.

P: O que você diz soa convincente, mas paraque serve à pessoa em particular, para quem sabe que está no mundo e é do mundo?

M: Milhões de pessoas comem pão, mas poucos conhecem tudo sobre o trigo. E só aqueles que sabem podem melhorar o pão. De modo similar, que conhecem o ser, que viram além do mundo, podem melhorar o mundo. O valor que eles têm para as pessoas é imenso, já que são sua única esperança de salvação. O que está no mundo não pode salvar o mundo; se realmente se interessa em ajudar o mundo, deve sair dele.

P: Mas pode alguém sair do mundo?

M: Quem nasceu primeiro, você ou o mundo?Enquanto der prioridade ao mundo, estará limitado por ele; uma vez que compreenda, sem o menor traço de dúvida, que o mundo está em você e não você no mundo, você está fora dele. Certamente, seu corpo permanece no mundo e do mundo, mas é enganado por ele. Todas as escrituras , antes de que o mundo fosse, o criador era.Quem conhece o criador? Só o que existia antes do criador, seu próprio ser real, a origem de todos os mundos com seus criadores.

P: Tudo o que você diz é mantido pelo sua compreensão de que o mundo é sua própria projeção. Você admite que se refere a seu próprio mundo pessoal, subjetivo, o mundo dado a você através de sua mente e seus sentidos. Nesse sentido cada um de nós vive em um mundo de projeção. Estes mundos se tocam uns com os outros e surgem, e se dissolvem, no "eu sou" em seu centro. Mas, com toda certeza, por trás destes mundos privados, há de existir um mundo objetivo, comum, do qual os mundos privados são meras sombras.Nega você a existência de tal mundo objetivo, comum a todos?

M: A realidade não é nem objetiva nem subjetiva, nem matéria nem mente, nem tempo nem espaço. Estas divisões necessitam de alguém a quem acontecer, um centro consciente separado.Mas a realidade é tudo e nada, a totalidade e a exclusão, a plenitude e o vazio, totalmente consistente, absolutamente paradoxal. Você não pode falar sobre ela, pode apenas perder seu ser nela. Quando você nega realidade a tudo, chega a um resíduo que não pode ser negado.Toda conversa sobre gnana é um sinal de ignorância. É a mente que imagina que não sabe e então vem a saber. A realidade não conhece nada destas contorções. Mesmo a idéia de Deus como criador é falsa. Devo meu ser a qualquer outro ser? Por que eu sou, tudo é.

P: Como é possível? Uma criança nasce dentro do mundo, não o mundo na criança. O mundo é velho e a criança, nova.

M: A criança nasce dentro de seu mundo. Agora, você nasceu dentro do mundo, ou o mundo apareceu a você? Nascer significa criar um mundo ao redor de você como o centro. Mas você criou a você mesmo? Ou alguém criou você? Todos criam um mundo para si mesmos e vivem nele, aprisionados pela própria ignorância. Tudo o que temos que fazer é negar realidade a nossa prisão.

P: Justamente como o estado de vigília existe no sonho em forma de semente, assim o mundo que acriança cria ao nascer existia antes de seu nascimento. Com quem repousa a semente?

M: Com aquele que é testemunha do nascimentoe da morte, mas nem nasce nem morre. Só ele é a semente da criação assim como seu resíduo. Não peça à mente que confirme o que está além dela. A experiência direta é a única confirmação válida.----------

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